Quando fui ao último
espetáculo do Théâtre du Soleil, em Porto Alegre, comecei a pensar sobre o que
representa para mim a noção de grupo.
Ao entrar na Cartoucherie improvisada
em Canoas, vi toda aquela estrutura montada e pensei “Uau, que grupo! Deve ser incrível
trabalhar em algo assim.” A Adriane Mottola, nesse momento, entre atores que se
maquiavam diante de nossos olhos curiosos e saudações à classe – que por certo compareceu
em peso à pré-estréia – me olhou com cara de pouca convicção, sugerindo ter dúvidas
de que lhe parecesse realmente incrível pertencer àquela trupe. Desconfiei.
Conversando
sobre isso, nos demos conta de que, no fundo, partilhamos uma mesma ideologia.
Para Adriane, é muito importante que todos os membros do grupo possam se
expressar com igual peso e liberdade, sejam novos integrantes ou veteranos da
companhia. Para a Stravaganza (e isso fica claro logo nos primeiros encontros
com eles) é fundamental que todos participem de tudo, que todos cooperem,
tenham ideias e liberdade para executá-las, o que é certamente difícil em um
grupo muito grande, como a trupe liderada por Mnouchkine.
Sim, a Adriane tem razão.
Assim, e por isso, entre inúmeros motivos, me parece louvável
poder trabalhar com um grupo como a Stravaganza, que está sempre indo alem, se
superando, buscando e aprendendo. Um grupo no qual temos a liberdade de opinar
em tudo sem nem mesmo sermos da companhia! Eu não SOU da Stravaganza, eu ESTOU
na Stravaganza. E isso pra mim basta; acho que pra eles também. Acho difícil realmente
Ser alguma coisa hoje em dia (e desde sempre, na verdade); de fato, acho quase desnecessário.
Me sinto muito feliz por ESTAR ali, com eles, discutindo e aprendendo todos os
dias, descobrindo coisas novas e provocando inquietações.
ESTAMOS JUNTOS.
Afinal, o que somos para alem do que estamos?
Ao mesmo tempo
em que me pergunto o torna um grupo Grupo, depois de muitas discussões sobre
Vertigem, Cia dos Atores, Galpão e o futuro/presente do teatro, me pergunto
também o que torna a arte de cada artista/grupo singular. Serão suas
inquietudes (existenciais) sempre singulares? E o que faz com que essa
singularidade nos toque? Serão nossas inquietudes humanas (universais)? Será
singular igual a universal e diferente de universal ao mesmo tempo? Por outro
lado, parece que há um desespero hoje em dia, uma necessidade de que nossa criação
seja algo único, inédito, singular. Há uma espécie de “corrida pela micropoética”,
como bem definiu uma aluna em aula (Anna Júlia foi tu?).
Noto que mesmo
dentro de um grupo, onde existe uma “ideologia já consolidada”
(que horror, não é bem isso o
que eu quis dizer! Me perdoem Stravagantes) a luta estética é
diária. Parece a arte de conciliar opostos, mas que ao mesmo tempo se fusionam
de modo sempre peculiar, levando ao novo, ao inesperado que tanto buscamos, a
ampliação de nossa experiência estética. A micropoética não é um objetivo (pelo amor de Deus, não pode sê-lo!),
mas a consequência de um desespero (?) real e em algum nível compartilhado pelo
grupo? Sim, há micropoéticas bem individuais, assim como há vidas bem
individuais. Não acho que isso me interesse (na vida), ainda que me delicie com
Wilson, Kantor, Fabre, Lawers, Castellucci, etc. O que me interessa no “fazer
teatral” não é a arte em si, como conceito, mas interagir com as pessoas que
estão por trás da arte que fazem. E depois sim tentar compreendê-la. Será que,
no fundo, somos o conteúdo da própria forma que criamos?
“Diz-me o teatro que fazes e eu te direi quem és”?
Medo.
Martha Graham
escreveu certa vez para Agnes DeMille (apud
Anne Bogart. A Preparação do diretor,
p. 91):
"Existe uma vitalidade, uma força vital, uma aceleração
que se traduz em ação através de você, e como só existe uma você em todos os
tempos, essa expressão é única. E se você bloqueia isso, ela nunca existirá
através de nenhum outro meio e se perderá. O mundo não a terá."
Acho
que se trata disso, de mergulhar de olhos fechados nessa força vital, nessa
energia que se transforma em ação de modo único em cada artista, e só naquele
artista. Parece-me decisivo pensar que se esse artista, pelo motivo que for, bloquear
parte dessa energia, sua ação se perderá e nós nunca a teremos. O artista se
perderá, e nós nunca o teremos. Por isso, não podemos ter medo de expressar. Pouco importa se é bom ou
ruim, sempre será bom ou ruim para alguém.
E Graham
segue:
“Não
cabe a você determinar se é boa; nem se é valiosa; nem se comparar a outras
expressões. Cabe a você manter essa expressão clara e direta, manter aberto o
canal. Você não tem de acreditar em si mesma nem no seu trabalho. Tem de se
manter aberta e diretamente consciente dos impulsos que a motivam”.
Parece
então que a primeira coisa que precisamos fazer é tentar não nos tornarmos um
empecilho para nós mesmos, nem para aqueles com quem trabalhamos (ainda que
gerar um certo desequilíbrio provocador me pareça necessário!). Não há resoluções
para a arte, nada está definido a priori. É sempre uma questão particular, e
sempre será reveladora para alguém. Às vezes acho que todos os nossos medos vêm
de nossa arrogância profunda, disfarçada de insegurança. Somos inseguros porque
somos arrogantes (e somos arrogantes porque somos inseguros). Penso em um jovem
dramaturgo, por exemplo, que acaba de escrever um texto. Ele não sabe se seu
texto é bom ou ruim. Ele fica inseguro. Certamente seu texto será bom.
Certamente seu texto será ruim. Mas isso não lhe basta porque, no fundo, ele
guarda um desejo remoto (arrogante?) de unanimidade (sempre burra, já
disseram), de querer ser um Shakespeare, um Beckett ou um Koltès. Provavelmente
ele não o seja (a genialidade é sempre a exceção), mas talvez ele seja muito
bom, talvez ele seja necessário para alguém, e por medo perdemos um dramaturgo,
e por medo perdemos a possibilidade de uma nova expressão singular na arte. Não
importa ser bom ou ruim, e sim SER.
O
que você está fazendo? “ – Estou sendo.” (Clarice Lispector)
Bogart diz que quando
a insegurança aparece, é importante buscar o impulso inicial, lembrar por que
estamos ali, sem questionar, sem duvidar, sem teorizar. “A análise, a reflexão
e a crítica devem ser feitas antes ou depois do ato criativo, nunca durante.”
(Bogart, op cit, p. 56)
Acho que ser um Grupo é estar ali para o outro, com o outro
e pelo outro, nos momentos criativos
e nos momentos de bloqueio, nas teorizações, nas alucinações e nos pânicos.
Juntos e individualmente, lá, onde dois
mais dois não são quatro. Sinto segurança porque estou com vocês, sinto pânico
porque estou com vocês, sinto que as coisas podem acontecer porque estamos
juntos. Como diz nosso Apresentador, logo no início da peça:
Sim nós
estamos juntos agora... e nada poderá fazer que seja diferente.
(...)
Porque
vocês e eu, eu vou lhes dizer, senhoras e senhores, vocês e eu, nós estamos
juntos na verdade desde sempre. Sim nós estamos juntos para sempre desde
sempre, sem ter escolhido.
Sim,
porque é assim...
(23/01/12)”
Da próxima vez,
prometo ser mais breve (e quem sabe menos brega).
Camila (em homenagem interna)